FORMAÇÃO

O direito de ser frágil

É preciso reconhecer-se frágil

É uma riqueza insondável o texto de São Paulo (2Cor 12,1-10), o qual nos fala que, para que o seu espírito não se enchesse de orgulho e vaidade, foi lhe colocado um “espinho na carne”.

Não é possível falar de crescimento humano se antes não falarmos de reconhecimento dos nossos limites. O bom treinador é aquele que vai saber salientar a qualidade do atleta, sobretudo, vai saber encaminhá-lo para a superação dos limites. O primeiro passo é reconhecer onde precisamos melhorar.

É um grande desafio para todos nós, porque, lamentavelmente, as pessoas não estão preparadas para nos educar para a coragem. Sabe por quê? Porque, muitas vezes, os incentivos que nos são dados estão mais voltados para esquecermos as nossas fragilidades, pois quando as mostramos, há uma série de repreensões diante de nós.

Nós, humanos, temos uma dificuldade imensa de lidar com a fragilidade do outro – ainda que seja nosso filho. Nós gostamos é de todo mundo feliz. Não estamos preparados para encarar a fragilidade. Parece que a nossa educação está sempre voltada para nos revestir de uma coragem que nos faz esquecer o limite.

Ter coragem

Devemos descobrir onde está a nossa fragilidade e ali trabalharmos com um pouquinho mais de empenho. É não desconsiderar o que temos de bom, mas é também colocar atenção naquilo que ainda temos que melhorar. Estamos em processo de feitura. Não estou pronto, eu não sou perfeito, estou por ser feito, estou sendo feito aos poucos. No processo de ser feito aos poucos, vou descobrindo onde é que dói esse espinho, que muda de lugar. Quanto mais uma pessoa está aperfeiçoada no processo de ser gente, maior é a facilidade de conhecer limites.

Para você retirar um espinho, às vezes, é preciso deixar inflamar. É como se o seu corpo dissesse: “Isso não me pertence”. De qualquer jeito, nós temos que tirar aquilo que não nos pertence. Há algumas inflamações do espírito, da personalidade, que há pessoas tão aborrecidas, que não podemos nem encostar nelas. São aquelas inflamações que se alastram.

Aí é que entra a grande contribuição do Cristianismo, numa proposta antropológica, porque Deus não quer que você seja um anjinho na Terra, mas que deixe de ser inflamado. Ele quer lhe mostrar as inflamações para que você lute com elas. Temos medo de mostrar que não aprendemos, que somos frágeis. Quantas vezes, na nossa vida, por medo, perdemos a oportunidade de aprender! Às vezes, por medo de expor a nossa fragilidade, porque parece que o mundo de hoje se esqueceu de mostrar a cultura do esforço que se fez para chegar aonde chegamos, perdemos o direito de chorar. Muitas vezes, choramos e não sabemos por que estamos chorando.

O ensinamento de Jesus é sempre o avesso do avesso.

Quer ser santo? Assuma que você é fraco. Muitas vezes, nesse processo de se conhecer, a gente sangra. E nós precisamos sangrar. Um dos maiores poetas da música diz isso. Quantas vezes você não se viu traduzido em uma canção de alguém que teve a coragem de sangrar, não teve medo de mostrar as próprias fragilidades?

Não adianta fingirmos que somos fortes ou que não sentimos nem temos medo. Eu não sei se você tem mais de cinco pessoas que conhecem os seus segredos nem para quantas pessoas você teve a coragem de sangrar, mas pessoas que o enxergam por dentro são raras. Conversão é isso, é você educar o seu filho para ele poder lhe contar onde estão os espinhos. O espinho não é o defeito, mas é a seta que nos mostra onde temos que trabalhar para ser melhor.

A vida vai perdendo a graça, porque não nos deixamos sangrar. Sangramos melhor nos momentos de intimidade, onde temos coragem de tirar a couraça. É muito melhor admitirmos que tem medo. Para as pessoas, é sempre doloroso ter que tirar os espinhos, de ver vazar as inflamações. Em última instância, o que vai sobrar de nós é a nossa vontade de amar. Vamos descobrir o que hoje em nós está “infeccionado”, porque é preciso sangrar, é preciso reconhecer-se frágil.

Pe. FábioPadre Fábio de Melo

Sacerdote católico, cantor, compositor, poeta, escritor, professor e apresentador.

Transcrição e adaptação Renata Santiago

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