A pessoa não pode fazer confusão entre sua identidade e a do artista
Quando se vive uma realidade de apresentações públicas, seja por meio de shows, pregações ou peças de teatro/dança, corre-se um grande risco de fazer confusão sobre a própria identidade, misturando, na autoimagem, o personagem e a pessoa em si.
Quando nos colocamos em alguma área de missão que exige nossa exposição artística, estamos condicionando a eficácia da evangelização à capacidade da nossa arte de conquistar o público e transmitir a mensagem que desejamos. Com isso, surge a necessidade do personagem, uma ferramenta de comunicação. Ele envolve a postura, a roupa, a decoração do ambiente, a gesticulação, o tipo de música ou arte apresentada. Quando estamos no palco, emprestamos nosso corpo, sentimentos e emoções para que o personagem ganhe vida, torne-se atrativo e, assim, conquiste o público, a fim de que ele entenda a mensagem que queremos passar.
O personagem faz parte de nós, é verdadeiro (ou deveria ser), mas ele é somente uma pequena parte de quem somos. A pessoa que está ali, servindo, é muito maior do que o personagem. Ela carrega sua história, seus traumas, desafios, pecados, capacidades, forma de amar e de se relacionar, sua fé, seu cotidiano e sua intimidade com Deus. O artista é muito mais do que se apresenta no palco. A sua verdade, seu núcleo íntimo, sua essência carregam muito mais do que o público pode ver.
Quando nossa verdade não está povoada, quando nossas carências não estão preenchidas pelo Amor verdadeiro, podemos cair na tentação de tentar nos preencher com a experiência do personagem. Deixamos que nossa apresentação no palco e a visão do público tornem-se importante como definidor de quem somos. Aplausos ou rejeições ganham força de determinação na nossa autoimagem. Reduzimos o que somos ao que fazemos. Isso é um grande perigo! Somos muito mais do que isso. A missão que Deus nos confia é temporária, terrestre, e não nos define como seres humanos. É o relacionamento entre cada um de nós e Deus que nos revela a verdade.
O público pode contribuir nesse processo de distorção. Ele se encanta pelo personagem, apaixona-se pelo que lhe é apresentado e pode se tornar até dependente dessa interface para sentir a presença de Deus (o que gera um povo frágil e preguiçoso na busca da intimidade real). Encantado com as luzes, com as emoções e a beleza da arte, o público se desarma e corre o risco de não olhar para a mensagem; fica somente no personagem. Que triste quando um evangelizador se reduz a um ídolo! Cabe a nós estarmos povoados da experiência da nossa humanidade com Deus, para que sejamos apenas a ponte, não o objetivo final. Cabe a nós termos consciência da nossa verdade, para não nos deixarmos iludir por esse encantamento do público com nossos personagens. O amor verdadeiro exige conhecimento da verdade do outro, e o público conhece muito pouco da nossa humanidade real.
Por isso, é importante a volta para casa. Sair do palco, dos aplausos e recolher-se para relembrar quem se é de verdade. Devolver para Deus a glória e o louvor pelo que foi bom. Pedir perdão por aquilo que nosso pecado possa ter atrapalhado na missão. Chegar em casa, encontrar a família, retomar o cotidiano e as tarefas simples diárias. Lembrar que se é gente, não personagem. Ser amado por quem lhe conhece de verdade, por quem divide os dias bons e ruins, as alegrias e dificuldades, quem conhece o que já está maduro em você e o que ainda precisa ser construído pelo relacionamento com Deus.
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