A música é a arte do tempo
Comecemos com a afirmação de Agostinho: “Se me perguntam o que é o tempo eu sei o que é. Se tento responder, já não sei mais”. E a unamos à nossa pergunta sobre o que é música. Pode ser que essas duas categorias estejam mais ligadas do que pensa qualquer ouvinte ou intérprete.
O tempo sempre foi um desafio para o ser humano. Uma experiência difícil de ser vivida a qual ele buscou definir, se adequar, dominar. Na sua busca por uma medição, possibilidades diferentes foram encontradas. É comum o que lemos sobre o Kairós e o Chronos, na Grécia antiga. Uma medida qualitativa e outra quantitativa. A primeira, expressa uma experiência psicológica e mística e, a segunda, mais matematicamente mensurável.
Ainda hoje vivenciamos isso na prática musical. Para definirmos o andamento de uma música, utilizamos as medidas de tempo de batidas por minuto (bpm). E a própria frequência musical é definida fisicamente por uma medida de tempo, ohertz (batidas por segundo). O lá do diapasão, tão usado para afinar instrumentos, é medido por 440 hertz, ou seja, 440 batidas por segundo gerando um som contínuo.
Mais do que ser a música uma arte dos sons, ela é a arte do tempo
A definição romântica de música como sendo melodia, harmonia e ritmo torna-se frágil na aproximação com as variadas expressões musicais. Muitos teóricos preferem uma abordagem a partir dos parâmetros do som: altura (frequência), volume (intensidade), duração (tempo de Söns e silêncios) e timbre (característica do som). Três (das quatro) possuem relação com o tempo.
Talvez, seja mais correto afirmar que: mais do que ser a música uma arte dos sons, ela é a arte do tempo. Tempo que, na medida matemática pode ser precisado mais do que na sua medida psicológica, onde não pode ser medido. Mais adiante, ao falarmos sobre o canto gregoriano e de maneira mais abrangente de todo canto cristão medieval, ressaltaremos esse tempo que, mesmo ditado é grafado em partitura, quando ganha voz no coro, salvaguarda está a flutuação temporal. Sempre em consonância com o desejo espiritual a ser expressado.
O impacto da revolução industrial, no séc. XIX e da revolução tecnológica nos séc. XX e XXI, afetou definitivamente, também, a relação do homem com o tempo. Se antes o homem vivia e media a sua vida a partir dos tempos da natureza, com os avanços técnicos e tecnológicos, ele passou a dominar essa natureza e a interferir diretamente no tempo e nas suas medidas.
Música: mais do que ser ouvida, pode ser dançada
A própria música passou a ganhar aspectos mais rítmicos. O ad libitum, antes inflexão interpretativa tão comum, tornou-se menos frequente. As gravações passaram a definir e a medir o tempo das canções, estabelecendo os parâmetros da música pop.
Na década de 70, artistas, como o grupo Krafwerk, trouxeram elementos da cultura industrial para o universo musical. A disco music, do final dessa década, era um convite para novamente buscar-se uma música que, mais do que ser ouvida, ela poderia ser dançada. Os elementos rítmicos se acentuaram. Com o avanço das técnicas de gravação, os músicos passaram a gravar de forma separada, utilizando cliques que mantinham o bpm das canções constante. O fazer musical ganhou outros aspectos e, também, o ouvir musical.
A música passou a ser registrada, vendida e comprada, reproduzida sem a presença do artista e, ultimamente, passou a ser reproduzida de forma individual e com uma portabilidade que torna a sua fruição algo onipresente ao desejo do ouvinte.