No Dia Internacional da Mulher, preciso recordar aquela que primeiro esteve ao meu lado
Nascer com uma deficiência não foi fácil. Crescer sendo o diferente sempre foi doído. A incompreensão das outras crianças também foi um problema.
Quando eu devia ter uns nove anos, cheguei em casa muito triste e magoado, porque um colega de aula havia me chamado de aleijado. Contei para o meu pai e para minha irmã, e todos ficaram sem palavras. Sentamos à mesa esperando minha mãe, que chegou agitada e falante como sempre. Logo, ela percebeu que havia algo errado naquela noite. Estávamos os três de cabeça baixa e eu enxugava as lágrimas, denunciando meu choro. Ela foi logo dizendo animada: “Que é isso, pessoal? Que caras são essas?”. Então, contei o que o garoto na escola havia dito enquanto ela se servia e nos servia à mesa. Quando terminei, ela disse:
“E você está chateado com isso? Por ser chamado de aleijado? Sabe o que significa aleijado?”. Naquele momento, comecei a olhar para ela, porque, apesar de pressentir não ser uma boa coisa, eu realmente não tinha uma noção exata do que significasse ser um “aleijado”.
“Aleijado é alguém que não tem uma parte do corpo. Você, por exemplo, nasceu sem o fêmur, não é? Então, essa é a parte do corpo que lhe falta.” Ela dizia isso sem interromper o jantar e com o tom de voz mais natural do mundo!
“Agora, – ela continuou a falar enquanto nos servia à mesa – nós não usamos essa palavra, porque ela é muito forte, pode magoar e entristecer. É uma palavra pesada. Precisamos tomar cuidado com as nossas palavras, Augusto. Então, de certa forma, esse menino no colégio está certo, porque, realmente, você é um aleijado. Mas o que ele não percebeu é que também ele é um aleijado, pois para referir-se a alguém de forma tão pesada e insensível, é preciso não ter sentimentos. Assim, de certa maneira, esse rapaz está aleijado dos seus sentimentos. Faltou-lhe compaixão. Você vai encontrar muita gente assim no mundo, aleijados de coração, de família, de sentimentos. Você não poderá bater de frente com todos eles. Você terá que explicar e fazê-los entender sobre você, sua deficiência e as limitações que todos nós temos, visíveis ou invisíveis. Mas, se um dia, você for chamado no colégio, porque precisou se defender por ter sido chamado de aleijado, pode ter certeza de que estarei ao seu lado. Vou apoiá-lo sempre!”
Senti-me um herói. Acho que o amor faz isso conosco: transforma nossa vida. Aparentes fracassos se tornam incontestáveis vitórias. Acredito que tanto para minha mãe como para meu pai deve ter sido muito complicado lidar com a minha diferença física. Provavelmente, um misto de frustração, culpa e medo pelo que viria.
Da minha mãe, tenho a imagem sofrida de vê-la pendurando minhas calças no varal de casa e baixando um pouco a cabeça, triste ao ver as pernas de tamanhos diferentes. Acho que, quando se tem alguma dificuldade como a minha, é um pouco assim: não nos lembramos a todo o momento, mas nunca deixamos de esquecer por completo. O maior mérito que vejo na criação que tive foi nunca me deixar abater. Minha mãe sempre terminava as nossas conversas dizendo “Deus faz bem todas as coisas!”.