Formação para músicos

O deserto espiritual na vida de um músico

No tempo da Quaresma, usamos, por diversas vezes, as palavras: penitência, mortificação e jejum. E essas palavras vão se repetindo durante todo este período quaresmal. Porém, são poucos aqueles que, aliados a todos esses exercícios espirituais, têm a coragem e são capazes de entrar em um verdadeiro deserto de 40 dias. A palavra vai dizer: “Então, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome” ( Mt 4,1).

Jesus se retirou para o deserto, onde permaneceu por 40 dias em jejum e oração. Aquele ambiente proporcionou a Ele o clima favorável para as práticas penitenciais. Além disso, o deserto o preparou para um novo tempo em sua missão. Na verdade, no deserto, Jesus enfrentou o demônio e toda tentação por ele elaborada para o enfraquecimento da missão do Senhor.

O deserto espiritual

O deserto é, justamente, aquele lugar que nos leva à seguinte pergunta: “O que, verdadeiramente, tem valor para mim?”. 

No deserto, não encontramos nada; aliás, é difícil até permanecer muito tempo dentro dele. Eu já fiz essa experiência e posso afirmar que fui levada a repensar minha vida naquele lugar. Ali, sentimos um silêncio que incomoda e nos impulsiona a uma revisão de vida. É um lugar em que quase nada sobrevive, onde sentimos o vazio da morte, e esse vazio nos leva a nós mesmos e nos conduz ao silêncio. 

Surge, então, um movimento interior dentro de nós que nos leva a nos depararmos com nossas misérias. Por esse motivo, muitas pessoas não permanecem muito tempo em estado de deserto. O silêncio, a sensação de vazio, o encontro com nossas misérias nos dirigem, realmente, a essa pergunta: “Nesse momento, o que realmente tem valor pra mim?”.

Na vida de um músico que busca, verdadeiramente, um crescimento espiritual, o deserto se torna um terreno muito fértil para novas inspirações.

No deserto, o verdadeiro artista pode perceber o que é essencial para sua vida e se desvencilhar de tantas outras coisas que só o levam a se desviar dos projetos de Deus, e assim estar vulnerável aos convites do demônio. 

No deserto, o demônio  apresentou a Jesus algumas propostas que se resumem em três verbos: poder, parecer e ter. Ao rebatê-lo, Jesus apontou o caminho certo para nos prepararmos para grandes momentos de  tentação. Ali, está uma forma bem pedagógica de vencer as tentações. O deserto nos remete a um estado de nada possuirmos, a nada nos apegarmos, vangloriarmos ou pleitearmos. 

Quando um músico experimenta momentos de deserto, ele acaba ficando com o essencial em sua vida. O essencial dá a ele a graça de contar apenas com a misericórdia de Deus e, quando a misericórdia encontra um coração vazio de si mesmo, ela o preenche inteiramente com a sua graça.

Nesse tempo de Quaresma, a direção que eu deixo para você artista é a mesma de Santo Arsênio: “Foge, cala e repousa!”.

Encaminhe sua vida para momentos de deserto. Fuja do barulho e das distrações. Silencie seu coração, seu instrumento e sua voz, e repousa sua alma no infinito Amor de Deus.

Eu acredito que composições belíssimas poderão surgir se nossos músicos fizerem essa experiência de se esvaziar perante o infinito de Deus. 

 

Rogerinha Moreira

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