FORMAÇÃO

Você conhece um diapasão?

Inventado, em 1711, pelo trompetista John Shore, o diapasão serve para afinar instrumentos e vozes

Instrumento bem afinado é ponto de partida para qualquer canção bem executada.

Ainda lembro o dedilhar do “Seu Adolpho”, ao lado de minha cama, acalmando meus ânimos e convocando todos os anjos para ajudá-lo na difícil tarefa de me convencer de que era hora de dormir e deixar as brincadeiras de lado. Isso tem mais de 40 anos, e até hoje sou capaz de me lembrar daquelas cordas esticadas na medida certa a produzirem o som do violão que marcou, para sempre, minha musicalidade. Algo sereno, tranquilo e profundo, capaz de tocar o meu pequeno coração de garoto “arteiro”, a começar pelo cuidado que meu pai sempre tinha de afinar seu Di Giorgio, de um jeito muito tradicional. Polegar da mão direita a tocar cada corda depois de dar a partida no processo com os ouvidos, sempre atentos à vibração do diapasão e aquele “Lazão”.

Diapasão. Foto: Internet.

Inventado, em 1711, pelo trompetista John Shore, o diapasão serve para afinar instrumentos e vozes, e tem como base a vibração de um som musical com determinada altura. Ao ser golpeado contra uma superfície, as duas extremidades da forquilha do diapasão vibram, produzindo a nota que será utilizada para afinar o instrumento musical. Em geral, é necessário encostar a outra extremidade do diapasão na caixa de ressonância do instrumento para amplificar seu som e permitir que seja ouvido à distância. O mesmo efeito pode ser conseguido se a extremidade do diapasão for encostada na caixa craniana, bem ali próximo à orelha.

Eu vivi essa experiência de ver de perto um diapasão com meu pai, no início da década de 70, mas não tive a graça de aprender a afinar meu violão com ele nem tampouco fazer meus primeiros acordes sob os olhares atentos do sapateiro que gostava de violão. Sua morte foi precoce e impediu-me de viver essa alegria.

Do diapasão de pai, da década de 70, aos dias de hoje, o quesito “afinação” avançou pra caramba! Meu “velho”, certamente, ficaria surpreso com tanta evolução! Hoje, é bem provável que a garotada “arteira”, que tem pai músico na cabeceira da cama antes de dormir, nem tenha a oportunidade de conhecer um diapasão. Os pais de hoje recorrem aos meios atuais. Tanta tecnologia vai, bem devagar, exterminando muitos dons, que estão “acoplados” ao dom de tocar um instrumento.

Foto: iStock

O dom de exercitar os ouvidos com o som de cada corda tensionada, por exemplo, tem perdido espaço para os afinadores eletrônicos. Aqueles que deixam todas as cordas no ponto e com uma rapidez impressionante. O “carinha” que tá começando agora nem se preocupa com o “A” de 440 Hz. Confia plenamente naquele aparelhinho que hoje vem adaptado ao violão, ou até mesmo nos aplicativos do celular e pronto. “Taca-lhe pau na máquina.”

Pode ser que você ache que estou exagerando, quando falo que a futura geração de músico não tenha a oportunidade de conhecer e usar um diapasão. Mas pergunte aos adolescentes de 13, 14 e 15 anos, que andam interessados em fazer um “som” na igreja de seu bairro, se já ouviram falar nesse instrumento metálico em forma de forquilha? A resposta pode confirmar essa dura realidade.

Ainda lembro de Maurício, um amigo de infância, que eu “alugava” duas ou três vezes na semana só para afinar meu primeiro violão, no início de minha empreitada. Eu não sabia nada, apesar de hoje ainda saber muito pouco, mas o Maurício era o “fera” da rua. Tinha um ouvido apuradíssimo e não tinha pressa em deixar meu velho Tonante no ponto ideal que todo aprendiz precisa. E toda essa habilidade, ele aprendeu com seu avô. “Seu Julinho” fazia sempre a mesma sequência para afinar qualquer violão. Dm, C e Em. Só não me pergunte por que ele usava essa sequência. Só sei que dava muito certo; assim eu aprendi a afinar meu“camaradinha”.

Eu fico a me perguntar como será essa dependência quando essa galerinha, daqui a uns anos estiver se preparando para começar um canto de entrada e o afinador ou o celular descarregar a bateria antes de deixar o violão no ponto. Será que vai ter algum ouvido como o do Maurício, capaz de socorrer o violonista que não aprendeu a afinar o violão de ouvido? O mais importante de todo esse contexto é não esquecer nunca que os dons de afinar de ouvido ou de produzir um equipamento eletrônico que afine o violão, são todos doados por Deus. É d’Ele que vem toda a inspiração para fazer da vibração uma nota musical, de uma nota musical uma canção e dessa canção uma conversão.

Que, em nossas histórias de músicos, não nos faltem diapasão e pai, para mostrar que tudo é Deus e poucos têm a graça de enxergar e expressar isso em arte!

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